sábado, 1 de julho de 2017

É possível que eu esteja enganado

É possível que eu esteja enganado. Não devemos ter certezas, e o que é válido num domínio bem definido e num certo tempo pode não o ser noutras coordenadas.
Mas por outro lado devemos fazer o que pudermos para tentar compreender o que nos rodeia e o que nos afeta, utilizando os velhos passos do método científico, observação, experimentação, verificação dos resultados, colocação de hipóteses, tentativa de teoria, submissão à revisão e referendo dos especialistas...

Isto a propósito do que nos desgosta nestes dias, por um lado as perdas de vidas e bens do incêndio de Pedrogão, por outro a fragilidade de um Estado que deixa roubar material de guerra.

Dizia Mário Soares que o grande embuste do século XX tinha sido o comunismo. Penso que é prudente acolher com reservas a afirmação, vinda de quem em jovem tinha militado no respetivo partido. Mas pegando no termo, e beneficiando da perspetiva histórica, podemos dizer como Jacques Valier (Breve história do pensamento económico de Aristóteles aos nossos dias) que a experiência soviética entrou em processo gravemente degenerativo a partir dos anos 30 do século XX devido à captura do poder pela classe burocrática que atraiçoou os princípios e os fins da própria ideologia. Igualmente podemos dizer como Tzvetan Todorov (Os inimigos íntimos da democracia), que à falta de liberdade e ao desrespeito por direitos humanos da experiência que se tentou ser socialista sucedeu no mundo ocidental uma democracia que contem em si própria inimigos íntimos.
Eu diria pois, pela mentira que depois da escola de Chicago (Friedman, Haieck) nos quiseram fazer crer a todos que as leis do mercado desregulado correspondiam ao interesse das populações, e que as desigualdades diminuiriam. Não só não diminuiram como por esse mundo fora os direitos humanos são desrespeitados , muitas vezes em nome dos valores democráticos, como, por exemplo, os 24 milhões de crianças que anualmente morrem de fome. E isso não tem nada que ver com ideologias de esquerda ou de direita, tem que ver como Parta Dasgupta disse (Economics, a very short introduction) que "as pessoas têm ainda de aprender como viver em paz umas comas outras", sejam quais forem as culturas e as convicções de cada um.

Por isso seria preferível que deixasse de haver governos monopartidários ou de orientação exclusiva, e que os defensores de um ou de outro lado se preocupassem mais em procurar formas de colaboração do que em querer destruir sistematicamente o que os outros fazem.

Esta última afirmação é destinada aos defensores do estado mínimo e do mercado desregulado, que se queixam agora da fragilidade de um Estado que não tem um sistema de prevenção eficaz e que deixa roubar armamento, depois de anos de acusações de um Estado pesado (apesar de não ser o que as estatísticas comparativas dizem) e de, em 2016, o pagamento de juros atingiu 4,2% do PIB, as despesas de educação foram de 3,9% e as despesas de defesa, segurança e ordem pública foram de 2,7% ! É verdade que são também condicionamentos externos e imposições da contenção do défice, mas podia ser um apelo à colaboração, sem os vícios ideológicos dos mercados (sabendo-se as falhas que o mercado tem, assimetrias de informação ou de acesso a tecnologias, escassez, externalidades, promiscuidade interesses económicos-estrutura jurídica-poder político) ou do intervencionismo (poder burocrático, limitações de liberdade, direitos humanos). No caso português, é ainda de assinalar a progressiva fragilização da estrutura militar, desde a supressão do serviço obrigatório e aos cortes orçamentais à interpretação facciosa da Constituição que retira à Marinha e às forças armadas a condução da reação a catástrofes ou a situações de riscos, subordinando-as a estruturas civis geridas por vezes sem o conhecimento desses riscos.
Mas posso estar enganado, não tenho certezas, embora gostasse de as ver debatidas.




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