sábado, 17 de março de 2018

Minha querida araucária

Minha querida araucária, há tempos que ando para te escrever. Mas o assunto inibe-me. Tu própria compreenderás como me é difícil dizer-te o que tenho a dizer-te. Embora tu, por estares mais perto do que eu das nossas raízes, que são as de todos os seres vivos, por viveres melhor integrada na Natureza, sentes melhor, neste fluir incessante, a dinâmica da vida e da morte.
Não consigo esquecer-me de quando te plantei, pequenina que eras, com o torrãzito de terra pendurado nas tuas raízes. E eu um jovem. Há tanto tempo que foi. Na altura nem dei atenção ao que disse  um jardineiro que observava a operação: quando a araucária atinge a cumeeira do telhado quer dizer que se esgotou o tempo de quem a plantou. Se  eu acreditasse nestas coisas mágicas teria mandado subir o telhado, mas não. Tu cresceste e subiste ainda mais acima, e eu envelheci. E vejo-me agora neste triste dilema.
Ainda pensei ralhar contigo quando as tuas raízes se meteram pela conduta do esgoto e partiram as suas paredes. Não te disse nada na altura, mas a situação tornou-se insustentável. Cresceste muito, a tua sombra já invade o quintal do vizinho, e eu não gosto de questiunculas com os vizinhos. Só que nunca tive coragem de chamar ninguém para o trabalho.
Pior ainda do que isso, minha araucária, é que uns homens, que eu ia a escrever maus, mas que não são, maus, são apenas crédulos em mais pensamentos mágicos, em relações que crêem ser de causa e efeito mas que não são nada de causa e efeito, onde é que estão as provas? uns homens, dizia eu, vêem agora informar-me que por estares a 4 metros de distancia da casa não podes continuar a viver. Porque também tu és uma conífera, e eles não gostam de coníferas.
Minha querida araucária. Sinto-me velho e cansado. Bem tentei sugerir procedimentos que julguei mais sensatos aos homens que aí vêm. Mas a nada atenderam. E agora não consigo resistir a este ímpeto selvagem de destruição de árvores, a esta vontade de desertificar pela erosão das  terras sem sombra. Eles compreendem, que cortar árvores vai fazer crescer mais depressa o mato, porque vão faltar as folhas a secar e a fazer uma manta contra as sementes das ervas. Ah, dirão eles, mas vamos também cortar o mato. Terão feito bem as contas, aos milhões de hectares em que é preciso cortar o mato, pelo menos 3 vezes por ano, e tantas vezes em terrenos acidentados. E quanto irá isso custar, e será que um terço do ano chega para cortar tudo? E depois quando chover a terra não está segura nem pelas raízes das árvores nem pelas do mato, e vão surgir enxurradas e a erosão crescerá, e o assoreamento dos rios também. Eles compreendem isto tudo, mas formou-se a corrente de opinião que tem de se cortar as árvores num raio de 50 metros à volta da casa. Que fundamentalismo.
Mas estou cansado e velho, vou esperar que eles cheguem, não vou resistir, e quando eles chegarem vou-me embora por uns dias. Não quero ver-te cortada, minha querida araucária. Mas ao menos sei que tu compreendes, estás mais perto da Natureza do que eu, encaras isso com naturalidade, desde o nemátodo que matou os teus primos pinheiros, a carcaça esburacada, aos bicudos escaravelhos que vieram sabe-se lá de onde matar as palmeiras que te acompanhavam. Dirás que agora é diferente, não são bichos, são homens que matam, mas sei que também isso compreendes, que sabes o mal que os homens fazem à Natureza.
Abraço-te o tronco por uma última vez, minha querida araucária.


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