quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Dezembro de 2017, acidentes ferroviários

Após um acidente ferroviário mortal, o primeiro sentimento é de pena pelas vítimas e de solidariedade com os familiares.
Mas depois sinto indignação e dor porque o transporte ferroviário deve ser seguro e estes acidentes acontecem porque não foram compensadas as fragilidades do sistema ferroviário, que as tem (centro de gravidade elevado, distancias de travagem grandes, peso elevado).
Também porque sistematicamente se assacam as culpas aos maquinistas, apesar de, independentemente de terem cometido erros com consequencias fatais, dever ser o próprio sistema a estar protegido contra essas falhas.
E também porque, para alem das vantagens de redução de emissões , o transporte ferroviário tem um indice de sinistralidade inferior ao rodoviário. Mas precisa para manter essa vantagem de sistemas de segurança e controle do movimento dos comboios.
1 - 5 de dezembro de 2017, em Meerbusch, Alemanha, perto de Dusseldorf - um comboio de passageiros de serviço regional, operado por uma companhia privada, embateu na traseira de um comboio de mercadorias  da DB.
https://en.wikipedia.org/wiki/Meerbusch_train_crash

https://www.ndtv.com/world-news/german-trains-collide-near-duesseldorf-several-injured-1784095

O maquinista do comboio de passageiros terá recebido autorização para ultrapassar um sinal vermelho e não respeitou a velocidade limite de 40km/h nessas condições. É um exemplo dos riscos da partilha de uma via por vários operadores e por vários modos (passageiros, mercadorias), riscos esses que deveriam impor a utilização sistemática de ATP/controle de velocidade e gestão centralizada em tempo real. É verdade que os sistemas de segurança são caros, mas o transporte ferroviário é mais eficiente energeticamente para os mesmos volumes elevados de passageiros ou mercadorias transportados.
2 - 14 de dezembro , em Millas/Saint Feliu d'Avall, perto de Perpignan - colisão de um comboio regional com um autocarro escolar numa passagem de nivel.
http://www.lefigaro.fr/actualite-france/2017/12/20/01016-20171220ARTFIG00143-accident-de-millas-les-enqueteurs-interrogent-de-nouveau-la-conductrice-du-bus.php

http://www.linternaute.com/actualite/societe/1425414-accident-de-millas-la-conductrice-du-bus-va-etre-auditionnee/

passagens de nível na região de Millas:


Adicionar legenda


Aparentemente, a passagem de nivel, embora automatica, é suscetivel de melhoria da sua segurança (foi feita uma declaração de que a passagem de nivel do acidente não faz parte da lista do plano de securisação em vigor). Parece que o autocarro acidentado integrava um grupo de autocarros escolares. Umas testemunhas dizem que as cancelas estavam baixadas, outras levantadas. É sempre possível haver um atraso na travessia, seguido do abaixamento das cancelas e colisão com o comboio.  A situação de risco é precisamente a travessia lenta por uma fila de veículos. A solução, apesar de ser possivel introduzir melhorias nos sistemas de controle, ou a deteção de presença de veículos rodoviários e emissão de ordem de travagem para o comboio (pelo menos a 1,5 km de distancia ou 50 segundos) ,  deve ser a supressão das passagens de nivel.
3 - 17 de dezembro, em Seattle - descarrilamento de um comboio numa curva junto de um viaduto e queda de algumas carruagens sobre uma estrada - tratou-se de excesso de velocidade na curva (130km/h em vez de 50km/h)
http://edition.cnn.com/2017/12/19/us/amtrak-derailment-washington/index.html

O acidente ocorreu numa das primeiras viagens após trabalhos de remodelação profunda da linha. O maquinista tinha pouca experiencia naquela linha por ser nova e seguia acompanhado por um colega em formação (esta é uma situação de risco). A linha não está equipada com ATP/controle automatico de velocidade (Positive train controle na terminologia nos USA) com o pretexto de ser um sistema caro. O NTSB (gabinete de investigação de acidentes) há anos que recomenda a instalação de ATP. Mas apesar da recorrencia de acidentes a desculpa de ser uma grande despesa mantem-se.




segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Sessão da ADFERSIT sobre a ferrovia pós 2020 em 6 de dezembro de 2017


Henrique Neto já comentou num seu artigo no Diabo esta sessão, centrada na apresentação pelo vice-presidente da IP, eng.Carlos Fernandes, seguida da manifestação da posição dos atuais operadores ferroviários e de colocação de perguntas ou comentários pela assistencia.
A estratégia da IP é neste momento a intervenção de grande manutenção, ou requalificação, ou modernização da rede ferroviária existente, indispensáveis devido ao abandono por anos de desinvestimento. São aplicados alguns fundos comunitários, num plano de mais de 2.000 milhões de euros. Incluem-se algumas intervenções para permitir o cruzamento de comboios de mercadorias de 750 m, embora não se prevejam trabalhos significativos para redução das pendentes ao valor da norma de 1,2% (existem troços com 2,3%). Nos troços de ligação às fronteiras prevê-se a instalação de travessas polivalentes (furação para os carris de bitola 1668 mm  e furação para os carris de bitola 1453 mm).
Não existe assim uma estratégia concreta e planeada para a instalação de bitola europeia de 1453 mm em linhas novas de serviço às principais cidades e portos com ligação à Europa.
Embora a ADFERSIT tenha anunciado a inclusão da apresentação  de Carlos Fernandes no seu site, penso interpretar bem a estratégia da IP nos seguintes pontos:
  1. a IP aguardará que Espanha traga a bitola europeia até à fronteira portuguesa para então equipar  linhas em bitola europeia (efetivamente, a linha de alta velocidade de Madrid a Badajoz, que tem a sua plataforma praticamente concluida para via dupla e velocidade máxima de 350 km/h, está a ser equipada com bitola ibérica e terá tração diesel numa primeira fase; importa portanto desenvolver uma ação diplomática para alterar a estratégia espanhola, aproximando-a da que tem para a rede francesa, acordando em cimeira de 4 de setembro de 2017 a conclusão das 3 ligação em bitola europeia em 2023)
  2. a IP receia fazer grandes investimentos em linhas novas de bitola europeia quando os operadores nacionais estão satisfeitos com o seu serviço em bitola ibérica, desvalorizando os custos do transbordo e da tração dupla nas pendentes (em compensação estão protegidos da concorrencia dos operadores europeus) e quando se desnvolve a tecnologia dos camiões elétricos e autónomos (notar porém que a redução de custos não será tão extraordinária como se quer fazer crer: energeticamente o transporte rodoviário será sempre menos eficiente devido ao maior atrito da roda de borracha com o asfalto; o  carater autónomo dos camiões não significa eliminação total os motoristas)
  3. a IP acha que o livro branco da UE de 2010 e os regulamentos 1315 e 1316 de 2013 (transferencia até 2030 de 30% das mercadorias transportadas do modo rodoviário para o modo ferroviário para percursos superiores a 300 km) estarão desatualizados, pelo que desvaloriza as respetivas orientações de instalação dos corredores ferroviários internacionais (parece um pouco ousada esta opinião, embora o sistema ferroviário europeu não esteja suficientemente desenvolvido para responder à desejada redução do tráfego rodoviário, responsável por congestionamento, doenças do foro respiratório e taxas elevadas de sinistralidade)

https://revistacargo.pt/carlos-fernandes-ip-antecipou-futuro-da-ferrovia-portugal/


PS em 12 de dezembro de 2017 - Curiosamente, é um dos novos elementos apresentados pela IP  que vem clarificar o que divide a IP do Manifesto Portugal ilha ferroviária?
Carlos Fernandes citou o estudo do consórcio Atlantic Corridor CFM4 com as quotas para a economia no transporte de mercadorias  devidas às correções do comprimento dos comboios (para 750m, sem considerar a correção dos gradiantes), da mudança para a bitola UIC e da introdução do ERTMS. No percurso de Leixões-Madrid, foi estimada uma economia de 13% se corrigido o comprimento e 0% se mudada a bitola. No percurso Leixões-Paris, foi estimada (se tomei bem nota, visto que não consegui, provavelmente por incompetencia minha,  encontrar o estudo no site do Atlantic Corridor) a economia de 12% com a correção do comprimento e de 6% com a mudança de bitola.
Interessante também a estimativa no estudo do custo do transporte: 6,6 centimos/ton.km no percurso Leixões-Madrid e 4,4 centimos/ton.km no percurso Leixões-Paris.
É isso que nos divide. A IP e os operadores em Portugal não querem mudar a bitola ibérica, por economia de material e para proteção contra a concorrencia estrangeira e satisfazem-se com percursos curtos, só para Espanha (será uma petição de principio justificar que não se pretende ir mais longe do que Espanha porque esta é o principal parceiro de Portugal, o que é natural dado o “bottleneck” de Irun, para usar o termo constante de outro estudo do Atlantic Corridor).
O Manifesto Portugal, ilha ferroviária? pensa nos termos da UE, em percursos mais compridos, aliás mais económicos por km, onde efetivamente e reconhecidamente pelo próprio Atlantic Corridor, o efeito económico da mudança para a bitola UIC é significativo (embora com menos peso do que a correção do comprimento desde que não se considerem as correções dos gradiantes, o que implica dupla tração nos troço críticos).
Por outras palavras, o que nos divide é a área de atuação dos comboios portugueses e a sua quota no transporte de mercadorias fabricadas em Portugal (isto é, deseja-se que os comboios que regressem à Europa vão cheios)

sábado, 2 de dezembro de 2017

Os vencedores

Excerto de um livro de Mia Couto,  O bebedor de horizontes:

«A mais grave herança da guerra não são as feridas nem os escombros. A pior herança são os vencedores. Acreditam os vencedores que a vitória os fez donos da terra e acham-se no direito de ser os seus vitalícios governantes.».
                              ... e assim vão ensinando as crianças segundo as suas próprias                                     versões da história

Done, negocio fechado , de Jacques Peretti

Como dizia Mr Spock, é fascinante. O monstro destroi o que nos é caro, mas é fascinante ele existir, estudar a forma de evitar os seus malefícios. Refiro-me a episódios do Espaço 1999.
Que podemos imaginar serem metáforas.
Da corrupção, por exemplo, da manipulação da maioria por minorias, também por exemplo.
O que me leva a acreditar no que Jacques Peretti, jornalista de investigação na BBC (fascinante também, como na Inglaterra existem o melhor e o pior) diz no seu livro Done, negócio fechado. A mensagem principal é que as grandes necessidades do homem atual são o resultado da invenção de problemas para alguns ganharem muito dinheiro a vender as soluções à maioria. E depois é ver os arautos a garantir, nos congressos e seminários, que quem não acompanhar s inovações será destruido. Enfim, será uma variante do dogma religioso que ameaça os pobres fieis com o inferno se não forem seguidas as regras da religião...

https://vidaself.com/prod/done-negocio-fechado/ 
https://www.fnac.pt/Done-Negocio-Fechado-Jacques-Peretti/a1388275
http://silenciosquefalam.blogspot.pt/2017/11/livro-de-jacques-peretti-revela-os.html

Destaco:
- a furia desmaterializadora que quer reduzir todas as transações a app em smartphone, suprimindo por exemplo os identificadores da via verde, os cartões com chip dos títulos de transporte, as notas e moedas...
- o combate à evasão fiscal na economia paralela, que, sendo positivo, tem outra face perversa de aumentar a receita fiscal a partir dos pobres permitindo baixar a contribuição dos ricos, que assim terão mais dinheiro nos off-shores (se os governos entretanto não tomarem medidas rigorosas conforme explicou Picketty). Será apenas mais uma manifestação do teorema da conservação, existe uma transferencia, mas o volume global mantem-se.



sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

O conflito das rendas excessivas para as empresas eólicas

Com a devida vénia à SIC e os agradecimentos aos intervenientes, que se pronunciaram não de acordo com as suas opções ideológicas, mas por razões técnicas, pela denúncia feita dos pagamentos e rentabilidade excessivos das empresas de produção de energia de origem eólica:

http://sicnoticias.sapo.pt/programas/negociosdasemana/2017-11-30-Negocios-da-Semana-29-11-2017

Destaque para as ações ganhas em Espanha pelo governo quando reduziu a rentabilidade das empresas. Quanto aos receios dos investidores, recordo Adam Smith e a responsabilidade social das empresas quando existe conflito com o objetivo único de ter lucros o mais elevados possível. O preço da energia no consumidor é em Portugal superior à média na UE.
Recordo ainda o conflito entre o estado da Califórnia e as produtoras, que, no seguimento da liberalização,chegaram a cobrar 100 dolares por kWh no mercado grossista.

Não tenho elementos seguros, mas parecerá que o produtor já terá uma boa remuneração se receber 5 centimos por kWh (50€ por MWh) e se tiver uma rentabilidade de 3 a 4%. Seriam bons objetivod pr orientar a renegociação dos contratos.

PS em 2 de dezembro: esclarecimentos complementares pelo deputado Jorge Costa, ainda no DN, que curiosamente, uns dias antes, tinha apodado, pela voz de um membro da direção, a contribuição proposta como "delírios fiscais". Dificil, a tarefa do jornalista, quando não tem tempo para estudar todos os componentes de uma questão.

https://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/convidados/interior/contribuicao-das-renovaveis-resposta-a-perguntas-interessadas-8958215.html